Metamorfose Ambulante - Tanto o blog qto eu!

Metamorfose Ambulante - Tanto o blog qto eu!
Se vc gostou entre e fique a vontade:

25 de jan. de 2013

ESTATUTO DO NOVO MILÊNIO

1) Todos os homens são diferentes. 
E devem fazer o possível para continuar sendo.

2) A todo ser humano foram concedidas duas maneiras de agir: 
a ação e a contemplação.
Ambas levam ao mesmo lugar, mas com resultados diferentes!

3) A todo ser humano foram concedidas duas qualidades:
o poder e o dom.
O poder dirige o homem ao encontro com seu destino.
O dom o obriga a dividir com os outros o que há de melhor em
si mesmo.

4) A todo ser humano foi dada uma virtude:
A capacidade de escolher.
Aquele que não utiliza essa virtude a transforma em uma
maldição já que outros a usarão por ele.

5) Todo ser humano tem direito a duas bençãos:
A benção de acertar e a benção de errar.
No segundo caso, sempre existe um aprendizado que o
conduzirá ao caminho certo, desde que o mesmo nunca se
esqueça da lição.

6) Todo ser humano tem um perfil sexual próprio, e deve
exercê-lo sem culpa, desde que não obrigue ninguém a
exercê-lo também.

7) Todo ser humano tem uma missão pessoal a ser cumprida e
esta é a sua razão de estar nesse mundo.
Essa missão manifesta-se por meio do entusiasmo naquilo
que é executado em sua vida.
Parágrafo único: Pode-se abandonar por certo tempo a missão, 

desde que el não seja esquecida e que para ela o ser humano volte 
o mais rápido possível

8) Todo homem tem seu lado feminino e toda mulher tem seu
lado masculino, para que ambos possam usar a praticidade
com intuição e a intuição com objetividade.

9) Todo ser humano precisa conhecer duas linguagens:
a linguagem da sociedade e a linguagem dos sinais.
Uma serve para comunicação com os outros e a outra serve
para entender as mensagens que vem da natureza.

10) Todo ser humano tem direito à busca da alegria, e
entende-se por alegria algo que lhe deixe bem - que não é
necessariamente algo que deixe a todos bem.

11) Todo ser humano deve manter viva dentro de si a sagrada
chama da LOUCURA, mas deve comportar-se como uma
pessoal normal na maior parte do tempo.

12) São consideradas faltas graves apenas os seguintes itens:
não respeitar o direito do próximo,
deixar-se paralisar pelo medo,
sentir-se culpado e não fazer nada para mudar isso,
achar que não merece o bem e o mal que lhe acontecem na
vida,
e ser covarde.
Parágrafo 1: Amaremos nossos inimigos, 

mas não faremos alianças com eles 
já que foram colocados no nosso caminho para testar nossa espada, 
e merecem o respeito de nossa luta.
Parágrafo 2: Escolheremos nossos inimigos pelos olhos.

13) Todas religiões, ou a falta delas, merecem respeito.
Parágrafo único: Um homem que escolhe uma religião também está 

escolhendo uma maneira coletiva de adorar e compartilhar os mistérios 
que a mesma possui, assim como quem opta por não segui-las também 
está inserido num contexto social próprio de sua "não fé" ou fé em algo diferente. 
Entretanto, ele é o único responsável por suas ações no caminho e não tem o 
direito de transferir para a religião ou para a falta dela a responsabilidade de 
suas decisões.

14) Fica decretado o fim do muro que separa o sagrado do
profano: a partir de agora tudo é sagrado (vide item anterior
sobre repeito de crenças alheias).

15) Tudo que é feito no presente, afeta o futuro por consequência,
e o passado por redenção.

16) Revogam-se as disposições em contrário.

Sempre é bom






Delicinhas!!!







"Sapiendices"


À medida que envelheço, presto menos atenção ao que as pessoas dizem; simplesmente observo o que fazem

Mentes pequenas discutem pessoas, 
mentes medianas discutem eventos e 
mentes grandes discutem idéias.

Gosto de ser moleca, 
mas os dias pedem que eu me vista de mulher, 
de gente grande. 
Então eu sou poesia pra fugir do mundo 
(ou de mim mesma). 
Faço as malas com coragem e, hora após hora, 
dou mais um passo nessa minha caminhada rumo a feli(cidade). 
Vou carregando uns sonhos, 
umas vontades malucas, 
um pouco de graça, som e desejo. 
E se me perguntarem o que eu quero ser, direi: 
"Ser menina o tempo inteiro".
Wanderly Frota

BEIJO NA BOCA É COISA DO PASSADO, AGORA A MODA É...
... dizer "eu te amo" e nunca ter amado, 
imitar o Neymar e ficar parecendo um retardado, 
amar sem ser amado 
e menina de 12 anos já ter dado.

"...sou só um ser humano procurando um jeito de viver." 
[Caio F. Abreu In; Carta a Hilda Hilst.]

"Você joga gentilmente seu celular na cama, daí ele decide quicar, bater na parede, 
estourar a lâmpada derrubar a televisão..."

"Amo pessoas que seguem conversando comigo e nunca deixam o assunto acabar, 
não importa o quão idiota o assunto seja."

Fechei os olhos e pedi um favor ao vento: 
Leve tudo que for desnecessário. 
Daqui pra frente apenas o que couber no bolso e no coração.

tim tim por tim tim


Falar “eu te amo” nem sempre dá o retorno esperado. 
Mas experimenta mandar tomar no cu pra ver só!!!

"Quando você só usa o caminho de volta, você acaba esquecendo o de ida. 
Às vezes perdoar é lindo, mas dizer adeus é mais..."

"Sobre sua existência: 
Acho desnecessária."
kkkkk bem que dá vontade de soltar umas dessas de vez em quando

" O tempo passa, 
As coisas e os lugares mudam
Só o que não muda, é alma humana, pro bem ou pro mal."

O amor imaturo diz: Te amo porque preciso de ti.
O amor maduro diz: Preciso de ti, porque te amo.

O beijo dado entre medo e emoção tem no gosto do pecado.. 
A certeza da paixão.

Acredito


Amigos de verdade não sei se tenho,
Acredito na amizade verdadeira,
Mais no momento ela me falta!
Sinto saudade do que acontecia...
Conversas paralelas, discussões repentinas,
Gargalhadas gostosas, abraços apertados,
Risos sem graça, choros desesperados...
Ah, meus amigos...
Dizíamos frases feitas, mais no fundo eram mais que verdade...
Um simples: EU TE AMO se tornava uma grande declaração...
Em momentos de desespero era deles, só deles o meu tempo...
Não tínhamos medo da má interpretação dos outros.
Para nós o que importa é o que sentíamos uns pelos outros...
Saudades de todos os olhares perdidos, porém encontrados por amigos de verdade.
Sei que com o tempo ficaremos perdidos entre si.
Quando nossos filhos perguntarem:
-Quem são essas pessoas? Com muita saudade, porém orgulho, responderei:
-São meus velhos amigos!
Com o tempo o contato será mais difícil Porém em pensamentos estaremos sempre perto!

Brasil é um pais tão único: aqui os comediantes se comportam como sindicalistas e os sindicalistas como comediantes

Pessoas não se apaixonam por estereótipos, mas pela singularidade de cada um, pela capacidade de ser surpreendido, pela sedução que o inusitado provoca. 
Uma pessoa que se preocupa em “parecer” já está derrotada no primeiro minuto de jogo.
Martha Medeiros

“Não grite contra o destino, tudo tem um preço, tudo tem um propósito, um tempo. 
Hoje você apenas aplaude, mas amanhã apresenta o espetáculo.”

Ainda bem que existem outras pessoas, outros sorrisos, 
outras histórias. 
Que esse mundo é grande o bastante para ter um tantão
de gente bacana. 
"Gente fina" bem no sentido literal da expressão.
Pessoas que sabem que a elegância está muito além de uma 
postura, faz parte das nossas atitudes.
(Fernanda Gaona)

Livre... 
É o meu jeito de ser
Nasci e fui criada
Desse jeito meio louca
Imperfeita não queira entender
Livre... 
É o meu jeito de amar
Eu quero ser sua liberdade
O seu segredo mais selvagem 
Quem te faz sonhar

Porque sentir é o melhor remédio


"Oi Teatro..só queria lembrar da falta que me faz..
Passar um dia todo ensaiando dentro de você, vendo qual a luz e foco certo, preparando o som, figurinos, ensaiando até cansar... Sentir a exaustão de repetir movimentos, frases, cenas, pra deixar tudo no ponto exato...
De ir no banheiro antes da peça começar e ao voltar pra coxia sentir vontade de ir outra vez, na ânsia de escutar o barulho da plateia chegando...
De rezar a mesma reza sem fim, de sentir a comunhão do parceiro de cena , que te garante segurança e parceria. 
De gritar MERDA o mais silencioso e profundo possível..
De escutar os três últimos sinais, sentir as luzes se apagando e o último arrepio ao ouvir "Tenham todos um ótimo espetáculo".
E depois de tudo passar num flash, sair daquele palco levando pra sempre o calor e a energia boa trocada com a plateia."
(Renata Do Vale - Atriz)

O que é verdadeiro, volta? 
Não.
O que é verdadeiro não vai.
O que é verdadeiro permanece.

"A vida é insuportável para quem não tem sempre à mão um entusiasmo."
(Maurice Barrès)

dói né?" 
"o que?" 
"A pessoa copiar Seus status e ganhar mas curtidas que você".

Em um supermercado, duas mulheres se esbarram com seus carrinhos:
- Desculpe, mas eu estava distraída. Estou procurando o meu marido, não sei onde ele está.
- Que coincidência. Também estou procurando o meu marido!
- Mesmo? E como ele é?
- Bom, ele é moreno, 1,88 de altura, olhos verdes, bronzeado, coxas grossas, ombros largos e uma bundinha linda! Está usando uma calça jeans surrada e uma camiseta que realça o peito e os braços sarados. E o seu?
- O meu que se foda! Vamos procurar o seu!

Bem assim!!!


Um menino de 10 anos estava parado, na frente de uma loja das sapatos olhando a vitrine e tremendo de frio. 
Uma senhora aproximou-se do menino e disse-lhe:
“Meu pequeno o que você está olhando com tanto interesse nesta vitrine”.
O menino então respondeu : 
“Estava pedindo a Deus que me desse um par de sapatos”. 
A senhora o tomou pela mão e o levou para dentro da loja, pediu ao empregado que lhe desse média dúzia de pares de sapatos para o menino. 
Perguntou ao empregado se poderia lhe emprestar um bacia com água e uma toalha. 
O empregado trouxe-lhe rapidamente o que pediu. 
A senhora levou o menino à parte traseira da loja, retirou as luvas, lavou os pés do menino e secou-os com a toalha. 
Então o empregado chegou com os sapatos, a senhora pôs-lhe um par deles no menino e os comprou-lhe. 
Juntou o outros pares e os deu ao menino. 
Afagou o menino na cabeça e disse-lhe:
 “não há dúvida que você se sente agora mais confortável”, 
O menino a abraçou, e quando ela já se voltava para sair o menino com lágrimas nos olhos lhe perguntou:
“A senhora é a esposa de Deus?

Na duvida, escolha o silencio! Ele incomoda, irrita, chateia, não gasta sua energia e ainda por cima preserva sua imagem.
--- Essa eu preciso aprender!!

“Nem toda ferida cura na mesma hora. 
O que dá certo pra mim pode não dar pra você. 
E tudo bem, não estou certa e você errado. 
Somos diferentes. 
Sentimos de forma diferente. 
Tivemos experiências diferentes. 
Temos cicatrizes diferentes. 
E é isso que faz com que cada pessoa seja única e especial.”
Clarissa Corrêa.

"O mundo pode continuar feio que eu vou continuar sentindo coisas bonitas."
(Tati Bernardi)

“Tenho medo de tudo que é passageiro, sempre levam muito de mim. 
E eu fico com a responsabilidade de saber lidar com a saudade.”

Reflita


"Porque eu sou fiel aos meus sentimentos. 
Vou estar com você quando eu realmente quiser estar. 
Vou te ligar quando eu quiser falar com você. 
Porque eu não passo vontade. 
E nem vou passar vontade de você.
Não vou fazer joguinho. 
Eu me entrego mesmo! 
Assim, na lata."

"Não é indireta, é apenas um post casual e espontâneo que, surpreendentemente, coincide com nosso problema pessoal e intransferível."

Às vezes bate uma saudade...
mas aí a gente engole e segue com a vida.

NÃO SOMOS OBRIGADOS a gostar de ninguém, 
a conviver com ninguém, 
a concordar com ninguém, 
não somos obrigados a aceitar ninguém, 
a elogiar ou sorrir pra ninguém. 
Somos convidados a tudo isso e ao respeito mútuo! 
A Lei Humana para uma melhor qualidade de vida, também, passa por isto. 
Não precisa concordar comigo, se não quiser. 
A humanidade tem adoecido porque não se pratica o amor recíproco, mesmo que, nem sempre, ele seja correspondido. 
Ou seja, você ama e isso basta. 
Sem explicação.

Sinta


Podemos escolher o que semear, mas somos obrigados a colher aquilo o que plantamos.”
(Provérbio Chinês)

"As pessoas são pesadas demais para serem levadas nos ombros. Levo-as no coração".
(Dom Hélder Câmara)

''Primeiro a chuva, depois o arco-íris. 
Se acostume, a ordem é essa.''
Caio Fernando Abreu

Você pensa: 
"Quem sente sua falta, te procura, te liga, manda sms e bláblá" mas esquece que a pessoa pode estar pensando a mesma coisa que você."

Quem planta um pé de "Se" 
colhe um monte de "Quase"!!

"Tentar ocupar espaço na vida de alguém que vive bem sem você é perda de tempo."

"Então você acha melhor me evitar agora, antes que o relacionamento acabe? 
Suicida de uma vez, vai morrer daqui uns anos mesmo."

"O mundo precisa de loucos, 
loucos uns pelos outros."

"Diz que vai vir bagunçar minha cama e arrumar a minha vida..."

"Me estragou por completo e me destruiu inteiramente. 
E eu achando que isso era amor."

Pense


"E se não der certo, meu coração é esperto. Não vai parar de bater." Cazuza

" Eu sou daquelas pessoas inseguras que volta pra ver se fechou a torneira, se a porta está trancada, se o fogão está desligado. Eu sempre fui assim, sempre precisei reafirmar minhas certezas." Caio Augusto Leite

Pra bom paranoico, meia informação basta!!!

Quando Deus criou Adão e Eva, disse aos dois:
- Tenho dois presentes para distribuir entre vocês: um é para fazer xixi em pé e...
Adão, ansioso , interrompeu, gritando:
- Eu! Eu! Eu! Eu quero, por favor... Senhor, por favor. Sim, iria me facilitar vida substancialmente! Por favor! Por favor!
Eva concordou e disse que essas coisas não tinham importância para ela. Então, Deus presenteou Adão, que ficou maravilhado. Gritava de alegria, corria pelo jardim do Éden fazendo xixi em todas as árvores. Correu pela praia fazendo desenhos com seu xixi na areia. Brincava de chafariz. Acendia uma fogueirinha e brincava de bombeiro...
Deus e Eva contemplavam o homem louco de felicidade, até que Eva perguntou a Deus:
- E... Qual é o outro presente, Senhor?
Deus respondeu:
- Cérebro, Eva, o cérebro é seu.

Perguntaram a Mahatma Gandhi quais são os fatores que destroem os seres humanos.
Ele respondeu:
A Política, sem princípios;
o Prazer, sem compromisso;
a Riqueza, sem trabalho;
a Sabedoria, sem caráter;
os negócios, sem moral;
a Ciência, sem humanidade;
a Oração, sem caridade.

20 de jan. de 2013

VENDAVAL - FERNANDO PESSOA


    VENDAVALÓ vento do norte, tão fundo e tão frio,
    Não achas, soprando por tanta solidão,
    Deserto, penhasco, coval mais vazio
    Que o meu coração!
    Indômita praia, que a raiva do oceano
    Faz louco lugar, caverna sem fim,
    Não são tão deixados do alegre e do humano
    Como a alma que há em mim!
    Mas dura planície, praia atra em fereza,
    Só têm a tristeza que a gente lhes vê
    E nisto que em mim é vácuo e tristeza
    É o visto o que vê.
    Ah, mágoa de ter consciência da vida!
    Tu, vento do norte, teimoso, iracundo,
    Que rasgas os robles - teu pulso divida
    Minh'alma do mundo!
    Ah, se, como levas as folhas e a areia,
    A alma que tenho pudesses levar -
    Fosse pr'onde fosse, pra longe da idéia
    De eu ter que pensar!
    Abismo da noite, da chuva, do vento,
    Mar torvo do caos que parece volver -
    Porque é que não entras no meu pensamento
    Para ele morrer?
    Horror de ser sempre com vida a consciência!
    Horror de sentir a alma sempre a pensar!
    Arranca-me, é vento; do chão da existência,
    De ser um lugar!
    E, pela alta noite que fazes mais'scura,
    Pelo caos furioso que crias no mundo,
    Dissolve em areia esta minha amargura,
    Meu tédio profundo.
    E contra as vidraças dos que há que têm lares,
    Telhados daqueles que têm razão,
    Atira, já pária desfeito dos ares,
    O meu coração!
    Meu coração triste, meu coração ermo,
    Tornado a substância dispersa e negada
    Do vento sem forma, da noite sem termo,
    Do abismo e do nada!
    Fernando Pessoa, 16-2-1920.

TABACARIA - Álvaro de Campos ( heterônimo de Fernando Pessoa)





      TABACARIA

    Não sou nada.
    Nunca serei nada.
    Não posso querer ser nada.
    À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
    Janelas do meu quarto,
    Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
    (E se soubessem quem é, o que saberiam?),
    Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
    Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
    Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
    Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
    Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
    Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
    Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
    Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
    E não tivesse mais irmandade com as coisas
    Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
    A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
    De dentro da minha cabeça,
    E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
    Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
    Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
    À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
    E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
    Falhei em tudo.
    Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
    A aprendizagem que me deram,
    Desci dela pela janela das traseiras da casa.
    Fui até ao campo com grandes propósitos.
    Mas lá encontrei só ervas e árvores,
    E quando havia gente era igual à outra.
    Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?
    Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
    Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
    E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
    Gênio? Neste momento
    Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
    E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
    Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
    Não, não creio em mim.
    Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
    Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
    Não, nem em mim...
    Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
    Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
    Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
    Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
    E quem sabe se realizáveis,
    Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
    O mundo é para quem nasce para o conquistar
    E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
    Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
    Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
    Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
    Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
    Ainda que não more nela;
    Serei sempre o que não nasceu para isso;
    Serei sempre só o que tinha qualidades;
    Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
    E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
    E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
    Crer em mim? Não, nem em nada.
    Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
    O seu sol, a sua chava, o vento que me acha o cabelo,
    E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
    Escravos cardíacos das estrelas,
    Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
    Mas acordamos e ele é opaco,
    Levantamo-nos e ele é alheio,
    Saímos de casa e ele é a terra inteira,
    Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
    (Come chocolates, pequena;
    Come chocolates!
    Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
    Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
    Come, pequena suja, come!
    Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
    Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
    Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
    Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
    A caligrafia rápida destes versos,
    Pórtico partido para o Impossível.
    Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
    Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
    A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
    E fico em casa sem camisa.
    (Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
    Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
    Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
    Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
    Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
    Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
    Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -
    Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
    Meu coração é um balde despejado.
    Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
    A mim mesmo e não encontro nada.
    Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
    Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
    Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
    Vejo os cães que também existem,
    E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
    E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)
    Vivi, estudei, amei e até cri,
    E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
    Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
    E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
    (Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
    Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
    E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente
    Fiz de mim o que não soube
    E o que podia fazer de mim não o fiz.
    O dominó que vesti era errado.
    Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
    Quando quis tirar a máscara,
    Estava pegada à cara.
    Quando a tirei e me vi ao espelho,
    Já tinha envelhecido.
    Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
    Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
    Como um cão tolerado pela gerência
    Por ser inofensivo
    E vou escrever esta história para provar que sou sublime.
    Essência musical dos meus versos inúteis,
    Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
    E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
    Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
    Como um tapete em que um bêbado tropeça
    Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.
    Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
    Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltada
    E com o desconforto da alma mal-entendendo.
    Ele morrerá e eu morrerei.
    Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
    A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
    Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
    E a língua em que foram escritos os versos.
    Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
    Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
    Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
    Sempre uma coisa defronte da outra,
    Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
    Sempre o impossível tão estúpido como o real,
    Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
    Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
    Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
    E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
    Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
    E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
    Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
    E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
    Sigo o fumo como uma rota própria,
    E gozo, num momento sensitivo e competente,
    A libertação de todas as especulações
    E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.
    Depois deito-me para trás na cadeira
    E continuo fumando.
    Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
    (Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
    Talvez fosse feliz.)
    Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
    O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
    Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
    (O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
    Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
    Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
    Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.


    Álvaro de Campos, 15-1-1928

PASSAGEM DAS HORAS- Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa)



      Álvaro de Campos (1890 - 1935?):

        Nasceu em Tavira, teve uma educação vulgar de Liceu; depois foi mandado para a Escócia estudar engenharia, primeiro mecânica e depois naval. Numas férias fez a viagem ao Oriente de onde resultou o Opiário. 


      PASSAGEM DAS HORAS

    Trago dentro do meu coração,
    Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
    Todos os lugares onde estive,
    Todos os portos a que cheguei,
    Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
    Ou de tombadilhos, sonhando,
    E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.
    A entrada de Singapura, manhã subindo, cor verde,
    O coral das Maldivas em passagem cálida,
    Macau à uma hora da noite... Acordo de repente...
    Yat-lô--ô-ôôô-ô-ô-ô-ô-ô-ô...Ghi-...
    E aquilo soa-me do fundo de uma outra realidade...
    A estatura norte-africana quase de Zanzibar ao sol...
    Dar-es-Salaam (a saída é difícil)...
    Majunga, Nossi-Bé, verduras de Madagascar...
    Tempestades em torno ao Guardafui...
    E o Cabo da Boa Esperança nítido ao sol da madrugada...
    E a Cidade do Cabo com a Montanha da Mesa ao fundo...
    Viajei por mais terras do que aquelas em que toquei...
    Vi mais paisagens do que aquelas em que pus os olhos...
    Experimentei mais sensações do que todas as sensações que senti,
    Porque, por mais que sentisse, sempre me faltou que sentir
    E a vida sempre me doeu, sempre foi pouco, e eu infeliz.
    A certos momentos do dia recordo tudo isto e apavoro-me,
    Penso em que é que me ficará desta vida aos bocados, deste auge,
    Desta entrada às curvas, deste automóvel à beira da estrada, deste aviso,
    Desta turbulência tranqüila de sensações desencontradas,
    Desta transfusão, desta insubsistência, desta convergência iriada,
    Deste desassossego no fundo de todos os cálices,
    Desta angústia no fundo de todos os prazeres,
    Desta sociedade antecipada na asa de todas as chávenas,
    Deste jogo de cartas fastiento entre o Cabo da Boa Esperança e as Canárias.
    Não sei se a vida é pouco ou demais para mim.
    Não sei se sinto de mais ou de menos, não sei
    Se me falta escrúpulo espiritual, ponto-de-apoio na inteligência,
    Consangüinidade com o mistério das coisas, choque
    Aos contatos, sangue sob golpes, estremeção aos ruídos,
    Ou se há outra significação para isto mais cômoda e feliz.

    Seja o que for, era melhor não ter nascido,
    Porque, de tão interessante que é a todos os momentos,
    A vida chega a doer, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger,
    A dar vontade de dar gritos, de dar pulos, de ficar no chão, de sair
    Para fora de todas as casas, de todas as lógicas e de todas as sacadas,
    E ir ser selvagem para a morte entre árvores e esquecimentos,
    Entre tombos, e perigos e ausência de amanhãs,
    E tudo isto devia ser qualquer outra coisa mais parecida com o que eu penso,
    Com o que eu penso ou sinto, que eu nem sei qual é, ó vida.

    Cruzo os braços sobre a mesa, ponho a cabeça sobre os braços,
    É preciso querer chorar, mas não sei ir buscar as lágrimas...
    Por mais que me esforce por ter uma grande pena de mim, não choro,
    Tenho a alma rachada sob o indicador curvo que lhe toca...
    Que há de ser de mim? Que há de ser de mim?

    Correram o bobo a chicote do palácio, sem razão,
    Fizeram o mendigo levantar-se do degrau onde caíra.
    Bateram na criança abandonada e tiraram-lhe o pão das mãos.
    Oh mágoa imensa do mundo, o que falta é agir...
    Tão decadente, tão decadente, tão decadente...
    Só estou bem quando ouço música, e nem então.
    Jardins do século dezoito antes de 89,
    Onde estais vós, que eu quero chorar de qualquer maneira?

    Como um bálsamo que não consola senão pela idéia de que é um bálsamo,
    A tarde de hoje e de todos os dias pouco a pouco, monótona, cai.

    Acenderam as luzes, cai a noite, a vida substitui-se.
    Seja de que maneira for, é preciso continuar a viver.
    Arde-me a alma como se fosse uma mão, fisicamente.
    Estou no caminho de todos e esbarram comigo.
    Minha quinta na província,
    Haver menos que um comboio, uma diligência e a decisão de partir entre mim e ti.
    Assim fico, fico... Eu sou o que sempre quer partir,
    E fica sempre, fica sempre, fica sempre,
    Até à morte fica, mesmo que parta, fica, fica, fica...

    Torna-me humano, ó noite, torna-me fraterno e solícito.
    Só humanitariamente é que se pode viver.
    Só amando os homens, as ações, a banalidade dos trabalhos,
    Só assim - ai de mim! -, só assim se pode viver.
    Só assim, o noite, e eu nunca poderei ser assim!

    Vi todas as coisas, e maravilhei-me de tudo,
    Mas tudo ou sobrou ou foi pouco - não sei qual - e eu sofri.
    Vivi todas as emoções, todos os pensamentos, todos os gestos,
    E fiquei tão triste como se tivesse querido vivê-los e não conseguisse.
    Amei e odiei como toda gente,
    Mas para toda a gente isso foi normal e instintivo,
    E para mim foi sempre a exceção, o choque, a válvula, o espasmo.

    Vem, ó noite, e apaga-me, vem e afoga-me em ti.
    Ó carinhosa do Além, senhora do luto infinito,
    Mágoa externa na Terra, choro silencioso do Mundo.
    Mãe suave e antiga das emoções sem gesto,
    Irmã mais velha, virgem e triste, das idéias sem nexo,
    Noiva esperando sempre os nossos propósitos incompletos,
    A direção constantemente abandonada do nosso destino,
    A nossa incerteza pagã sem alegria,
    A nossa fraqueza cristã sem fé,
    O nosso budismo inerte, sem amor pelas coisas nem êxtases,
    A nossa febre, a nossa palidez, a nossa impaciência de fracos,
    A nossa vida, o mãe, a nossa perdida vida...

    Não sei sentir, não sei ser humano, conviver
    De dentro da alma triste com os homens meus irmãos na terra.
    Não sei ser útil mesmo sentindo, ser prático, ser quotidiano, nítido,
    Ter um lugar na vida, ter um destino entre os homens,
    Ter uma obra, uma força, uma vontade, uma horta,
    Unia razão para descansar, uma necessidade de me distrair,
    Uma cousa vinda diretamente da natureza para mim.

    Por isso sê para mim materna, ó noite tranqüila...
    Tu, que tiras o mundo ao mundo, tu que és a paz,
    Tu que não existes, que és só a ausência da luz,
    Tu que não és uma coisa, rim lugar, uma essência, uma vida,
    Penélope da teia, amanhã desfeita, da tua escuridão,
    Circe irreal dos febris, dos angustiados sem causa,
    Vem para mim, ó noite, estende para mim as mãos,
    E sê frescor e alívio, o noite, sobre a minha fronte...
    'Tu, cuja vinda é tão suave que parece um afastamento,
    Cujo fluxo e refluxo de treva, quando a lua bafeja,
    Tem ondas de carinho morto, frio de mares de sonho,
    Brisas de paisagens supostas para a nossa angústia excessiva...
    Tu, palidamente, tu, flébil, tu, liquidamente,
    Aroma de morte entre flores, hálito de febre sobre margens,
    Tu, rainha, tu, castelã, tu, dona pálida, vem...

    Sentir tudo de todas as maneiras,
    Viver tudo de todos os lados,
    Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo,
    Realizar em si toda a humanidade de todos os momentos
    Num só momento difuso, profuso, completo e longínquo.

    Eu quero ser sempre aquilo com quem simpatizo,
    Eu torno-me sempre, mais tarde ou mais cedo,
    Aquilo com quem simpatizo, seja uma pedra ou uma ânsia,
    Seja uma flor ou uma idéia abstrata,
    Seja uma multidão ou um modo de compreender Deus.
    E eu simpatizo com tudo, vivo de tudo em tudo.
    São-me simpáticos os homens superiores porque são superiores,
    E são-me simpáticos os homens inferiores porque são superiores também,
    Porque ser inferior é diferente de ser superior,
    E por isso é uma superioridade a certos momentos de visão.
    Simpatizo com alguns homens pelas suas qualidades de caráter,
    E simpatizo com outros pela sua falta dessas qualidades,
    E com outros ainda simpatizo por simpatizar com eles,
    E há momentos absolutamente orgânicos em que esses são todos os homens.
    Sim, como sou rei absoluto na minha simpatia,
    Basta que ela exista para que tenha razão de ser.
    Estreito ao meu peito arfante, num abraço comovido,
    (No mesmo abraço comovido)
    O homem que dá a camisa ao pobre que desconhece,
    O soldado que morre pela pátria sem saber o que é pátria,
    E o matricida, o fratricida, o incestuoso, o violador de crianças,
    O ladrão de estradas, o salteador dos mares,
    O gatuno de carteiras, a sombra que espera nas vielas —
    Todos são a minha amante predileta pelo menos um momento na vida.

    Beijo na boca todas as prostitutas,
    Beijo sobre os olhos todos os souteneurs,
    A minha passividade jaz aos pés de todos os assassinos
    E a minha capa à espanhola esconde a retirada a todos os ladrões.
    Tudo é a razão de ser da minha vida.

    Cometi todos os crimes,
    Vivi dentro de todos os crimes
    (Eu próprio fui, não um nem o outro no vicio,
    Mas o próprio vício-pessoa praticado entre eles,
    E dessas são as horas mais arco-de-triunfo da minha vida).

    Multipliquei-me, para me sentir,
    Para me sentir, precisei sentir tudo,
    Transbordei, não fiz senão extravasar-me,
    Despi-me, entreguei-rne,
    E há em cada canto da minha alma um altar a um deus diferente.

    Os braços de todos os atletas apertaram-me subitamente feminino,
    E eu só de pensar nisso desmaiei entre músculos supostos.

    Foram dados na minha boca os beijos de todos os encontros,
    Acenaram no meu coração os lenços de todas as despedidas,
    Todos os chamamentos obscenos de gesto e olhares
    Batem-me em cheio em todo o corpo com sede nos centros sexuais.
    Fui todos os ascetas, todos os postos-de-parte, todos os como que esquecidos,
    E todos os pederastas - absolutamente todos (não faltou nenhum).
    Rendez-vous a vermelho e negro no fundo-inferno da minha alma!

    (Freddie, eu chamava-te Baby, porque tu eras louro, branco e eu amava-te,
    Quantas imperatrizes por reinar e princesas destronadas tu foste para mim!)
    Mary, com quem eu lia Burns em dias tristes como sentir-se viver,
    Mary, mal tu sabes quantos casais honestos, quantas famílias felizes,
    Viveram em ti os meus olhos e o meu braço cingido e a minha consciência incerta,
    A sua vida pacata, as suas casas suburbanas com jardim,
    Os seus half-holidays inesperados...
    Mary, eu sou infeliz...
    Freddie, eu sou infeliz...
    Oh, vós todos, todos vós, casuais, demorados,
    Quantas vezes tereis pensado em pensar em mim, sem que o fósseis,
    Ah, quão pouco eu fui no que sois, quão pouco, quão pouco —
    Sim, e o que tenho eu sido, o meu subjetivo universo,
    Ó meu sol, meu luar, minhas estrelas, meu momento,
    Ó parte externa de mim perdida em labirintos de Deus!

    Passa tudo, todas as coisas num desfile por mim dentro,
    E todas as cidades do mundo, rumorejam-se dentro de mim ...
    Meu coração tribunal, meu coração mercado,
    Meu coração sala da Bolsa, meu coração balcão de Banco,
    Meu coração rendez-vous de toda a humanidade,
    Meu coração banco de jardim público, hospedaria,
    Estalagem, calabouço número qualquer cousa
    (Aqui estuvo el Manolo en vísperas de ir al patíbulo)
    Meu coração clube, sala, platéia, capacho, guichet, portaló,
    Ponte, cancela, excursão, marcha, viagem, leilão, feira, arraial,
    Meu coração postigo,
    Meu coração encomenda,
    Meu coração carta, bagagem, satisfação, entrega,
    Meu coração a margem, o lirrite, a súmula, o índice,
    Eh-lá, eh-lá, eh-lá, bazar o meu coração.

    Todos os amantes beijaram-se na minh'alma,
    Todos os vadios dormiram um momento em cima de mim,
    Todos os desprezados encostaram-se um momento ao meu ombro,
    Atravessaram a rua, ao meu braço, todos os velhos e os doentes,
    E houve um segredo que me disseram todos os assassinos.

    (Aquela cujo sorriso sugere a paz que eu não tenho,
    Em cujo baixar-de-olhos há uma paisagem da Holanda,
    Com as cabeças femininas coiffées de lin
    E todo o esforço quotidiano de um povo pacífico e limpo...
    Aquela que é o anel deixado em cima da cômoda,
    E a fita entalada com o fechar da gaveta,
    Fita cor-de-rosa, não gosto da cor mas da fita entalada,
    Assim como não gosto da vida, mas gosto de senti-la ...

    Dormir como um cão corrido no caminho, ao sol,
    Definitivamente para todo o resto do Universo,
    E que os carros me passem por cima.)

    Fui para a cama com todos os sentimentos,
    Fui souteneur de todas ás emoções,
    Pagaram-me bebidas todos os acasos das sensações,
    Troquei olhares com todos os motivos de agir,
    Estive mão em mão com todos os impulsos para partir,
    Febre imensa das horas!
    Angústia da forja das emoções!
    Raiva, espuma, a imensidão que não cabe no meu lenço,
    A cadela a uivar de noite,
    O tanque da quinta a passear à roda da minha insônia,
    O bosque como foi à tarde, quando lá passeamos, a rosa,
    A madeixa indiferente, o musgo, os pinheiros,
    Toda a raiva de não conter isto tudo, de não deter isto tudo,
    Ó fome abstrata das coisas, cio impotente dos momentos,
    Orgia intelectual de sentir a vida!

    Obter tudo por suficiência divina —
    As vésperas, os consentimentos, os avisos,
    As cousas belas da vida —
    O talento, a virtude, a impunidade,
    A tendência para acompanhar os outros a casa,
    A situação de passageiro,
    A conveniência em embarcar já para ter lugar,
    E falta sempre uma coisa, um copo, uma brisa, urna frase,
    E a vida dói quanto mais se goza e quanto mais se inventa.

    Poder rir, rir, rir despejadamente,
    Rir como um copo entornado,
    Absolutamente doido só por sentir,
    Absolutamente roto por me roçar contra as coisas,
    Ferido na boca por morder coisas,
    Com as unhas em sangue por me agarrar a coisas,
    E depois dêem-me a cela que quiserem que eu me lembrarei da vida.

    Sentir tudo de todas as maneiras,
    Ter todas as opiniões,
    Ser sincero contradizendo-se a cada minuto,
    Desagradar a si próprio pela plena liberalidade de espírito,
    E amar as coisas como Deus.

    Eu, que sou mais irmão de uma árvore que de um operário,
    Eu, que sinto mais a dor suposta do mar ao bater na praia
    Que a dor real das crianças em quem batem
    (Ah, como isto deve ser falso, pobres crianças em quem batem —
    E por que é que as minhas sensações se revezam tão depressa?)
    Eu, enfim, que sou um diálogo continuo,
    Um falar-alto incompreensível, alta-noite na torre,
    Quando os sinos oscilam vagamente sem que mão lhes toque
    E faz pena saber que há vida que viver amanhã.
    Eu, enfim, literalmente eu,
    E eu metaforicamente também,
    Eu, o poeta sensacionista, enviado do Acaso
    As leis irrepreensíveis da Vida,
    Eu, o fumador de cigarros por profissão adequada,
    O indivíduo que fuma ópio, que toma absinto, mas que, enfim,
    Prefere pensar em fumar ópio a fumá-lo
    E acha mais seu olhar para o absinto a beber que bebê-lo...
    Eu, este degenerado superior sem arquivos na alma,
    Sem personalidade com valor declarado,
    Eu, o investigador solene das coisas fúteis,
    Que era capaz de ir viver na Sibéria só por embirrar com isso,
    E que acho que não faz mal não ligar importâricia à pátria
    Porqtie não tenho raiz, como uma árvore, e portanto não tenho raiz
    Eu, que tantas vezes me sinto tão real como uma metáfora,

    Como uma frase escrita por um doente no livro da rapariga que encontrou no terraço,
    Ou uma partida de xadrez no convés dum transatlântico,
    Eu, a ama que empurra os perambulators em todos os jardins públicos,
    Eu, o policia que a olha, parado para trás na álea,
    Eu, a criança no carro, que acena à sua inconsciência lúcida com um coral com guizos.
    Eu, a paisagem por detrás disto tudo, a paz citadina
    Coada através das árvores do jardim público,
    Eu, o que os espera a todos em casa,
    Eu, o que eles encontram na rua,
    Eu, o que eles não sabem de si próprios,
    Eu, aquela coisa em que estás pensando e te marca esse sorriso,
    Eu, o contraditório, o fictício, o aranzel, a espuma,
    O cartaz posto agora, as ancas da francesa, o olhar do padre,
    O largo onde se encontram as suas ruas e os chauffeurs dormem contra os carros,
    A cicatriz do sargento mal encarado,
    O sebo na gola do explicador doente que volta para casa,
    A chávena que era por onde o pequenito que morreu bebia sempre,
    E tem uma falha na asa (e tudo isto cabe num coração de mãe e enche-o)...
    Eu, o ditado de francês da pequenita que mexe nas ligas,
    Eu, os pés que se tocam por baixo do bridge sob o lustre,
    Eu, a carta escondida, o calor do lenço, a sacada com a janela entreaberta,
    O portão de serviço onde a criada fala com os desejos do primo,
    O sacana do José que prometeu vir e não veio
    E a gente tinha uma partida para lhe fazer...
    Eu, tudo isto, e além disto o resto do mundo...
    Tanta coisa, as portas que se abrem, e a razão por que elas se abrem,
    E as coisas que já fizeram as mãos que abrem as portas...
    Eu, a infelicidade-nata de todas as expressões,
    A impossibilidade de exprimir todos os sentimentos,
    Sem que haja uma lápida no cemitério para o irmão de tudo isto,
    E o que parece não querer dizer nada sempre quer dizer qualquer cousa...
    Sim, eu, o engenheiro naval que sou supersticioso como uma camponesa madrinha,
    E uso monóculo para não parecer igual à idéia real que faço de mim,
    Que levo às vezes três horas a vestir-me e nem por isso acho isso natural,
    Mas acho-o metafísico e se me batem à porta zango-me,
    Não tanto por me interromperem a gravata como por ficar sabendo que há a vida...
    Sim, enfim, eu o destinatário das cartas lacradas,
    O baú das iniciais gastas,
    A entonação das vozes que nunca ouviremos mais -
    Deus guarda isso tudo no Mistério, e às vezes sentimo-lo
    E a vida pesa de repente e faz muito frio mais perto que o corpo.
    A Brígida prima da minha tia,
    O general em que elas falavam - general quando elas eram pequenas,
    E a vida era guerra civil a todas as esquinas...
    Vive le mélodrame oú Margot a pleuré!
    Caem as folhas secas no chão irregularmente,
    Mas o fato é que sempre é outono no outono,
    E o inverno vem depois fatalmente,
    há só um caminho para a vida, que é a vida...
    Esse velho insignificante, mas que ainda conheceu os românticos,
    Esse opúsculo político do tempo das revoluções constitucionais,
    E a dor que tudo isso deixa, sem que se saiba a razão
    Nem haja para chorar tudo mais razão que senti-lo.

    Viro todos os dias todas as esquinas de todas as ruas,
    E sempre que estou pensando numa coisa, estou pensando noutra.
    Não me subordino senão por atavisnio,
    E há sempre razões para emigrar para quem não está de cama.

    Das serrasses de todos os cafés de todas as cidades
    Acessíveis à imaginação
    Reparo para a vida que passa, sigo-a sem me mexer,
    Pertenço-lhe sem tirar um gesto da algibeira,
    Nem tomar nota do que vi para depois fingir que o vi.

    No automóvel amarelo a mulher definitiva de alguém passa,
    Vou ao lado dela sem ela saber.
    No trottoir imediato eles encontram-se por um acaso combinado,
    Mas antes de o encontro deles lá estar já eu estava com eles lá.
    Não há maneira de se esquivarem a encontrar-me,
    Não há modo de eu não estar em toda a parte.
    O meu privilégio é tudo
    (Brevetée, Sans Garantie de Dieu, a minh'Alma).

    Assisto a tudo e definitivamente.
    Não há jóia para mulher que não seja comprada por mim e para mim,
    Não há intenção de estar esperando que não seja minha de qualquer maneira,
    Não há resultado de conversa que não seja meu por acaso,
    Não há toque de sino em Lisboa há trinta anos, noite de S. Carlos há cinqüenta
    Que não seja para mim por uma galantaria deposta.

    Fui educado pela Imaginação,
    Viajei pela mão dela sempre,
    Amei, odiei, falei, pensei sempre por isso,
    E todos os dias têm essa janela por diante,
    E todas as horas parecem minhas dessa maneira.

    Cavalgada explosiva, explodida, como uma bomba que rebenta,
    Cavalgada rebentando para todos os lados ao mesmo tempo,
    Cavalgada por cima do espaço, salto por cima do tempo,
    Galga, cavalo eléctron-íon, sistema solar resumido
    Por dentro da ação dos êmbolos, por fora do giro dos volantes.
    Dentro dos êmbolos, tornado velocidade abstrata e louca,
    Ajo a ferro e velocidade, vaivém, loucura, raiva contida,
    Atado ao rasto de todos os volantes giro assombrosas horas,
    E todo o universo range, estraleja e estropia-se em mim.

    Ho-ho-ho-ho-ho!...
    Cada vez mais depressa, cada vez mais com o espírito adiante do corpo
    Adiante da própria idéia veloz do corpo projetado,
    Com o espírito atrás adiante do corpo, sombra, chispa,
    He-la-ho-ho ... Helahoho ...

    Toda a energia é a mesma e toda a natureza é o mesmo...
    A seiva da seiva das árvores é a mesma energia que mexe
    As rodas da locomotiva, as rodas do elétrico, os volantes dos Diesel,
    E um carro puxado a mulas ou a gasolina é puxado pela mesma coisa.

    Raiva panteísta de sentir em mim formidandamente,
    Com todos os meus sentidos em ebulição, com todos os meus poros em fumo,
    Que tudo é uma só velocidade, uma só energia, uma só divina linha
    De si para si, parada a ciciar violências de velocidade louca...
    Ho ----

    Ave, salve, viva a unidade veloz de tudo!
    Ave, salve, viva a igualdade de tudo em seta!
    Ave, salve, viva a grande máquina universo!
    Ave, que sois o mesmo, árvores, máquinas, leis!
    Ave, que sois o mesmo, vermes, êmbolos, idéias abstratas,
    A mesma seiva vos enche, a mesma seiva vos torna,
    A mesma coisa sois, e o resto é por fora e falso,
    O resto, o estático resto que fica nos olhos que param,
    Mas não nos meus nervos motor de explosão a óleos pesados ou leves,
    Não nos meus nervos todas as máquinas, todos os sistemas de engrenagem,
    Nos meus nervos locomotiva, carro elétrico, automóvel, debulhadora a vapor

    Nos meus nervos máquina marítima, Diesel, semi-Diesel,
    Campbell, Nos meus nervos instalação absoluta a vapor, a gás, a óleo e a eletricidade,
    Máquina universal movida por correias de todos os momentos!

    Todas as madrugadas são a madrugada e a vida.
    Todas as auroras raiam no mesmo lugar:
    Infinito...
    Todas as alegrias de ave vêm da mesma garganta,
    Todos os estremecimentos de folhas são da mesma árvore,
    E todos os que se levantam cedo para ir trabalhar
    Vão da mesma casa para a mesma fábrica por o mesmo caminho...

    Rola, bola grande, formigueiro de consciências, terra,
    Rola, auroreada, entardecida, a prumo sob sóis, noturna,
    Rola no espaço abstrato, na noite mal iluminada realmente
    Rola ...

    Sinto na minha cabeça a velocidade de giro da terra,
    E todos os países e todas as pessoas giram dentro de mim,
    Centrífuga ânsia, raiva de ir por os ares até aos astros
    Bate pancadas de encontro ao interior do meu crânio,
    Põe-me alfinetes vendados por toda a consciência do meu corpo,
    Faz-me levantar-me mil vezes e dirigir-me para Abstrato,
    Para inencontrável, Ali sem restrições nenhumas,
    A Meta invisível — todos os pontos onde eu não estou — e ao mesmo tempo ...

    Ah, não estar parado nem a andar,
    Não estar deitado nem de pé,
    Nem acordado nem a dormir,
    Nem aqui nem noutro ponto qualquer,
    Resol,,,er a equação desta inquietação prolixa,
    Saber onde estar para poder estar em toda a parte,
    Saber onde deitar-me para estar passeando por todas as ruas ...

    Ho-ho-ho-ho-ho-ho-ho

    Cavalgada alada de mim por cima de todas as coisas,
    Cavalgada estalada de mim por baixo de todas as coisas,
    Cavalgada alada e estalada de mim por causa de todas as coisas ...

    Hup-la por cima das árvores, hup-la por baixo dos tanques,
    Hup-la contra as paredes, hup-la raspando nos troncos,
    Hup-la no ar, hup-la no vento, hup-la, hup-la nas praias,
    Numa velocidade crescente, insistente, violenta,
    Hup-la hup-la hup-la hup-la ...

    Cavalgada panteísta de mim por dentro de todas as coisas,
    Cavalgada energética por dentro de todas as energias,
    Cavalgada de mim por dentro do carvão que se queima, da lâmpada que arde,
    Clarim claro da manhã ao fundo
    Do semicírculo frio do horizonte,
    Tênue clarim longínquo como bandeiras incertas
    Desfraldadas para além de onde as cores são visíveis ...

    Clarim trêmulo, poeira parada, onde a noite cessa,
    Poeira de ouro parada no fundo da visibilidade ...

    Carro que chia limpidamente, vapor que apita,
    Guindaste que começa a girar no meu ouvido,
    Tosse seca, nova do que sai de casa,
    Leve arrepio matutino na alegria de viver,
    Gargalhada súbita velada pela bruma exterior não sei como,
    Costureira fadada para pior que a manhã que sente,
    Operário tísico desfeito para feliz nesta hora
    Inevitavelmente vital,
    Em que o relevo das coisas é suave, certo e simpático,
    Em que os muros são frescos ao contacto da mão, e as casas
    Abrem aqu; e ali os olhos cortinados a branco...

    Toda a madrugada é uma colina que oscila,
    ...................................................................
    ... e caminha tudo

    Para a hora cheia de luz em que as lojas baixam as pálpebras
    E rumor tráfego carroça comboio eu sinto sol estruge

    Vertigem do meio-dia emoldurada a vertigens —
    Sol dos vértices e nos... da minha visão estriada,
    Do rodopio parado da minha retentiva seca,
    Do abrumado clarão fixo da minha consciência de viver.

    Rumor tráfego carroça comboio carros eu sinto sol rua,
    Aros caixotes trolley loja rua i,itrines saia olhos
    Rapidamente calhas carroças caixotes rua atravessar rua
    Passeio lojistas "perdão" rua
    Rua a passear por mim a passear pela rua por mim
    Tudo espelhos as lojas de cá dentro das lojas de lá
    A velocidade dos carros ao contrário nos espelhos oblíquos das montras,
    O chão no ar o sol por baixo dos pés rua regas flores no cesto rua
    O meu passado rua estremece camion rua não me recordo rua

    Eu de cabeça pra baixo no centro da minha consciência de mim
    Rua sem poder encontrar uma sensação só de cada vez rua
    Rua pra trás e pra diante debaixo dos meus pés
    Rua em X em Y em Z por dentro dos meus braços
    Rua pelo meu monóculo em círculos de cinematógrafo pequeno,
    Caleidoscópio em curvas iriadas nítidas rua.
    Bebedeira da rua e de sentir ver ouvir tudo ao mesmo tempo.
    Bater das fontes de estar vindo para cá ao mesmo tempo que vou para lá.
    Comboio parte-te de encontro ao resguardo da linha de desvio!
    Vapor navega direito ao cais e racha-te contra ele!
    Automóvel guiado pela loucura de todo o universo precipita-te
    Por todos os precipícios abaixo
    E choca-te, trz!, esfrangalha-te no fundo do meu coração!

    À moi, todos os objetos projéteis!
    À moi, todos os objetos direções!
    À moi, todos os objetos invisíveis de velozes!
    Batam-me, trespassem-me, ultrapassem-me!
    Sou eu que me bato, que me trespasso, que me ultrapasso!
    A raiva de todos os ímpetos fecha em círculo-mim!

    Hela-hoho comboio, automóvel, aeroplano minhas ânsias,
    Velocidade entra por todas as idéias dentro,
    Choca de encontro a todos os sonhos e parte-os,
    Chamusca todos os ideais humanitários e úteis,
    Atropela todos os sentimentos normais, decentes, concordantes,
    Colhe no giro do teu volante vertiginoso e pesado
    Os corpos de todas as filosofias, os tropos de todos os poemas,
    Esfrangalha-os e fica só tu, volante abstrato nos ares,
    Senhor supremo da hora européia, metálico a cio.
    Vamos, que a cavalgada não tenha fim nem em Deus!
    ...............................................................
    ...............................................................
    ...............................................................
    ...............................................................

    Dói-me a imaginação não sei como, mas é ela que dói,
    Declina dentro de mim o sol no alto do céu.
    Começa a tender a entardecer no azul e nos meus nervos.
    Vamos ó cavalgada, quem mais me consegues tornar?
    Eu que, veloz, voraz, comilão da energia abstrata,
    Queria comer, beber, esfolar e arranhar o mundo,
    Eu, que só me contentaria com calcar o universo aos pés,
    Calcar, calcar, calcar até não sentir.
    Eu, sinto que ficou fora do que imaginei tudo o que quis,
    Que embora eu quisesse tudo, tudo me faltou.

    Cavalgada desmantelada por cima de todos os cimos,
    Cavalgada desarticulada por baixo de todos os poços,
    Cavalgada vôo, cavalgada seta, cavalgada pensamento-relâmpago,
    Cavalgada eu, cavalgada eu, cavalgada o universo — eu.
    Helahoho-o-o-o-o-o-o-o ...

    Meu ser elástico, mola, agulha, trepidação ...


    Álvaro de Campos, 22-5-1916

Vi Jesus Cristo Descer à Terra - Alberto Caeiro (Heterónimo de Fernando Pessoa)


    Alberto Caeiro (1889 - 1915):

      Alberto Caeiro é considerado o mestre de todos os heterônimos de Fernando Pessoa. Nasceu em Lisboa, mas viveu quase toda a sua vida no campo. Não teve profissão, nem educação quase alguma, só instrução primária; morreram-lhe cedo o pai e a mãe, e deixou-se ficar em casa, vivendo de uns pequenos rendimentos. Vivia com uma tia velha, tia avó. Morreu tuberculoso. 

Vi Jesus Cristo Descer à TerraNum meio-dia de fim de primavera 
Tive um sonho como uma fotografia. 
Vi Jesus Cristo descer à terra. 
Veio pela encosta de um monte 
Tornado outra vez menino, 
A correr e a rolar-se pela erva 
E a arrancar flores para as deitar fora 
E a rir de modo a ouvir-se de longe. 

Tinha fugido do céu. 
Era nosso demais para fingir 
De segunda pessoa da Trindade. 
No céu era tudo falso, tudo em desacordo 
Com flores e árvores e pedras. 
No céu tinha que estar sempre sério 
E de vez em quando de se tornar outra vez homem 
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer 
Com uma coroa toda à roda de espinhos 
E os pés espetados por um prego com cabeça, 
E até com um trapo à roda da cintura 
Como os pretos nas ilustrações. 
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe 
Como as outras crianças. 
O seu pai era duas pessoas 
Um velho chamado José, que era carpinteiro, 
E que não era pai dele; 
E o outro pai era uma pomba estúpida, 
A única pomba feia do mundo 
Porque não era do mundo nem era pomba. 
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter. 
Não era mulher: era uma mala 
Em que ele tinha vindo do céu. 
E queriam que ele, que só nascera da mãe, 
E nunca tivera pai para amar com respeito, 
Pregasse a bondade e a justiça! 

Um dia que Deus estava a dormir 
E o Espírito Santo andava a voar, 
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três. 
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha 
fugido. 
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino. 
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz 
E deixou-o pregado na cruz que há no céu 
E serve de modelo às outras. 
Depois fugiu para o sol 
E desceu pelo primeiro raio que apanhou. 
Hoje vive na minha aldeia comigo. 
É uma criança bonita de riso e natural. 
Limpa o nariz ao braço direito, 
Chapinha nas poças de água, 
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as. 
Atira pedras aos burros, 
Rouba a fruta dos pomares 
E foge a chorar e a gritar dos cães. 
E, porque sabe que elas não gostam 
E que toda a gente acha graça, 
Corre atrás das raparigas pelas estradas 
Que vão em ranchos pela estradas 
com as bilhas às cabeças 
E levanta-lhes as saias. 

A mim ensinou-me tudo. 
Ensinou-me a olhar para as cousas. 
Aponta-me todas as cousas que há nas flores. 
Mostra-me como as pedras são engraçadas 
Quando a gente as tem na mão 
E olha devagar para elas. 

Diz-me muito mal de Deus. 
Diz que ele é um velho estúpido e doente, 
Sempre a escarrar no chão 
E a dizer indecências. 
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia. 
E o Espírito Santo coça-se com o bico 
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as. 
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica. 
Diz-me que Deus não percebe nada 
Das coisas que criou — 
"Se é que ele as criou, do que duvido" — 
"Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória, 
Mas os seres não cantam nada. 
Se cantassem seriam cantores. 
Os seres existem e mais nada, 
E por isso se chamam seres." 
E depois, cansados de dizer mal de Deus, 
O Menino Jesus adormece nos meus braços 
e eu levo-o ao colo para casa. 

............................................................................. 

Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro. 
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava. 
Ele é o humano que é natural, 
Ele é o divino que sorri e que brinca. 
E por isso é que eu sei com toda a certeza 
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro. 

E a criança tão humana que é divina 
É esta minha quotidiana vida de poeta, 
E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta 
sempre, 
E que o meu mínimo olhar 
Me enche de sensação, 
E o mais pequeno som, seja do que for, 
Parece falar comigo. 

A Criança Nova que habita onde vivo 
Dá-me uma mão a mim 
E a outra a tudo que existe 
E assim vamos os três pelo caminho que houver, 
Saltando e cantando e rindo 
E gozando o nosso segredo comum 
Que é o de saber por toda a parte 
Que não há mistério no mundo 
E que tudo vale a pena. 

A Criança Eterna acompanha-me sempre. 
A direção do meu olhar é o seu dedo apontando. 
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons 
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas. 
Damo-nos tão bem um com o outro 
Na companhia de tudo 
Que nunca pensamos um no outro, 
Mas vivemos juntos e dois 
Com um acordo íntimo 
Como a mão direita e a esquerda. 

Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas 
No degrau da porta de casa, 
Graves como convém a um deus e a um poeta, 
E como se cada pedra 
Fosse todo um universo 
E fosse por isso um grande perigo para ela 
Deixá-la cair no chão. 

Depois eu conto-lhe histórias das cousas só dos homens 
E ele sorri, porque tudo é incrível. 
Ri dos reis e dos que não são reis, 
E tem pena de ouvir falar das guerras, 
E dos comércios, e dos navios 
Que ficam fumo no ar dos altos-mares. 
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade 
Que uma flor tem ao florescer 
E que anda com a luz do sol 
A variar os montes e os vales, 
E a fazer doer nos olhos os muros caiados. 

Depois ele adormece e eu deito-o. 
Levo-o ao colo para dentro de casa 
E deito-o, despindo-o lentamente 
E como seguindo um ritual muito limpo 
E todo materno até ele estar nu. 
Ele dorme dentro da minha alma 
E às vezes acorda de noite 
E brinca com os meus sonhos. 
Vira uns de pernas para o ar, 
Põe uns em cima dos outros 
E bate as palmas sozinho 
Sorrindo para o meu sono. 

...................................................................... 

Quando eu morrer, filhinho, 
Seja eu a criança, o mais pequeno. 
Pega-me tu ao colo 
E leva-me para dentro da tua casa. 
Despe o meu ser cansado e humano 
E deita-me na tua cama. 
E conta-me histórias, caso eu acorde, 
Para eu tornar a adormecer. 
E dá-me sonhos teus para eu brincar 
Até que nasça qualquer dia 
Que tu sabes qual é. 

..................................................................... 

Esta é a história do meu Menino Jesus. 
Por que razão que se perceba 
Não há de ser ela mais verdadeira 
Que tudo quanto os filósofos pensam 
E tudo quanto as religiões ensinam?