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5 de nov. de 2009

Paradoxos


Para a alma, pensar é definitivamente mais doloroso do que sentir - a dor sem saída provocada por um paradoxo é eterna.

As emoções?

Para o saudoso, a lembrança alivia.

Para o perdido, uma palavra consola.

O desesperado - de que mais precisa senão de fé?

Mas a ninguém, em nenhum tempo, em nenhum lugar, é permitido escapar da dor de um paradoxo. (Gregório)


Para Simon Blackburn,

"os paradoxos desempenham um papel importante na filosofia, visto que a existência de um paradoxo não-resolvido mostra que há algo nos nossos raciocínios ou nos nossos conceitos que não compreendemos".

Há paradoxos que são estranhamente engraçados, pois faz parte de sua natureza parecer uma mágica: seu resultado é absurdo e inesperado, e queremos imediatamente saber qual é o truque.

Veja abaixo alguns paradoxos extremamente intrigantes.

(Todas as informações e citações foram retiradas do ótimo Dicionário Oxford de Filosofia, escrito por Simon Blackburn e publicado no Brasil pela Jorge Zahar.)


O paradoxo do mentiroso

"Esta frase é falsa."

Se a frase é falsa, então é verdadeira; se é verdadeira, então é falsa.


Paradoxo de Newcomb

Imagine que há duas caixas diante de você.

Numa delas você pode ver que há 1.000 reais.

A outra está fechada, e você não pode ver seu conteúdo.

Você pode optar por levar uma delas com você, ou pode optar por levar as duas.

Mas você recebe a seguinte informação:

Deus já colocou 100.000 reais na caixa fechada SE ele previu que era esta que você escolheria levar (deixando a outra para trás).

Em caso contrário, ele não colocou nada nela.

E parece que isso é mesmo verdade, pois dizem a você que todos os que escolheram a caixa fechada acabaram encontrando 100.000 reais ali dentro, enquanto todos os que levaram as duas faturaram apenas 1.000 reais.

A questão é: você leva as duas caixas ou apenas a fechada?

É mais forte o argumento de que o certo é levar as duas caixas, pois Deus já fez aquilo que quis fazer.

Independentemente do que ele fez, você vai ganhar 1.000 reais mais o que estiver na caixa fechada, se escolher as duas.

Mas há ainda um excelente argumento de que o certo é levar só a caixa fechada.

Nas palavras de Blackburn, "o argumento para escolher apenas a caixa fechada é o de que as pessoas que fazem essa escolha são as que acabam ficando ricas".


O paradoxo da prova surpresa

Imagine que o período letivo acabe no próximo dia 30.

Dez dias antes, o professor ameaça os alunos, dizendo que até o fim desse período letivo haverá uma prova surpresa.

Porém é impossível logicamente a aplicação dessa prova surpresa.

A explicação é a seguinte: a prova não pode ser no dia 30, que é o último dia de aula, pois, no fim do dia 29, não havendo ela ocorrido ainda, os alunos já saberiam que a prova seria no dia 30 (e assim não seria mais surpresa).

Sendo assim, o dia 29 passa a ser o último dia possível para que o professor aplique uma prova surpresa.

Mas então, no fim do dia 28, os alunos já saberão que a prova seria no dia 29, e ela deixaria de ser surpresa.

Esse raciocínio pode ser estendido dia por dia, de forma que não resta ao professor nenhum dia para a aplicação de uma prova realmente surpresa.


O paradoxo do assassinato delicado

Se você considerar assassinar uma pessoa, então passa a ser um dever assassiná-la.

Por quê?

Ora, se você considerar assassinar uma pessoa, torna-se um dever assassiná-la com delicadeza. Se assassiná-la com delicadeza é um dever, então, afinal, é um dever assassiná-la.


O paradoxo do perdão

Se só devem ser perdoadas as pessoas que merecem o perdão, então não faz sentido perdoar ninguém: se uma pessoa não merece perdão, não deve ser perdoada; e, se merece, então não há nada a perdoar.


O paradoxo do barbeiro

Numa pequena cidade, há um barbeiro. Sobre a cidade e o barbeiro, afirma-se que:

1. Ele faz a barba de todas as pessoas da cidade que não barbeiam a si próprias.

2. Ele faz a barba apenas dessas pessoas, e de mais ninguém.

Pergunta-se: quem faz a barba do barbeiro?

Se ele se barbeia a si próprio, então não barbeia a si próprio (já que ele só barbeia aqueles que não barbeiam a si próprios).

Se ele não barbeia a si próprio, então barbeia a si próprio (já que ele barbeia todos aqueles que não barbeiam a si próprios).


O paradoxo da onipotência de Deus

Se Deus é onipotente (pode fazer tudo), pergunta-se: ele pode criar uma pedra que ele não possa erguer?

Se não pode criá-la, não é onipotente; se pode, "então também não é onipotente, já que ao criá-la estaria originando algo que não poderia fazer (levantar o que tinha criado)".

Paulo Santoro

Programa de o canto de Gregório

O programa da peça O canto de Gregório é, em suas 32 páginas, um espetáculo à parte. Vendido por um valor simbólico na entrada e na saída das sessões, foi criado por Ricardo Muniz Fernandes a partir de textos de referência propostos pelo diretor e pelo autor da peça.As Notas e fragmentos literários à margem de uma possível encenação de O canto de Gregório traz textos selecionados por Antunes Filho, de autores como Kafka, Camus, Jung e Dostoieviski, entre outros.Veja abaixo algumas das Notas e fragmentos à margem da escritura de O canto de Gregório, que inclui dois textos selecionados por Paulo Santoro e sua apresentação da peça para o espectador.
Caro espectador, não estou aqui para levá-lo a paralisia alguma. Para inspirá-lo tragicamente. Não. A vida é, a seu modo, saborosa. Temos a felicidade de não nos mantermos presos o tempo todo em nosso quarto às vezes frio e assustador, questionando os mitos que regem nossa alma. Sempre podemos nos levantar e sair desse quarto, como talvez fizesse Gregório, um minuto depois do fim da peça. Fingimos dissipar o sofrimento essencial do homem, e somos felizes agindo assim.Mas, no caos deste mundo, a lógica meticulosa não é apenas uma coleção de frases ocas lançadas ao vento. Certamente não será Gregório a única pessoa a necessitar dessa lógica - ainda que a cura possa ser mais devastadora que a doença.Se uma pessoa, afinal, disser a você que "cada um tem a sua verdade", acredite nela: essa frase é a verdade que ela tem.Perdidos que estamos todos nesta biblioteca infinita de Babel, resta-nos saber apenas isto: afirmar é vão. E certo livro escondido num daqueles hexágonos de Borges há de contar esta história, esta deste instante, em que você mesmo, agudo espectador, é flagrado na vaidade de afirmar que é vão afirmar que afirmar é vão.
Paulo Santoro

A criança logo se dá conta de que o choro sentido, qualquer que seja a sua causa, é muito mais eficaz em seus efeitos do que o choro superficialmente fingido. Mas há um momento no choro fingido, isto é, na mímica do sentimento não vivido, a partir do qual as emoções correspondentes ao choro sentido afloram e tomam conta de fato da mente da criança. Nasceu o auto-engano.O enganador auto-enganado, convencido sinceramente de seu próprio engano, é uma máquina de enganar mais habilidosa e competente em sua arte do que o enganador frio e calculista. Qualquer deslize pode ser fatal. Para que sua mente não seja lida e decifrada pelos demais - para que ela não escorregue em lapsos ou se entregue nas entrelinhas, com todas as conseqüências danosas que isso acarretaria - o enganador embarca em suas próprias mentiras, deixa-se levar de modo gradual e crescente por elas e, enfim, passa a acreditar nelas com toda a inocência e boa-fé deste mundo. Ele não desperta dúvidas porque não as tem; duvidar agora, quem há de?Eduardo Giannetti, Auto-engano (Companhia das Letras)
Fundar a moral não é fixar os seus princípios, mas estabelecer sua legitimidade possível. Dizer em nome de que ela se justifica, de uma maneira que não seja como mandamento de Deus ou pela sua utilidade social.Essa questão tomou forma completamente na Europa durante o século XVIII: depois que os filósofos das Luzes libertaram a moral de sua tutela metafísico-religiosa, e antes que os mestres da suspeita, com Nietzsche à sua frente, tivessem empreendido, ao contrário, destruir a sua razão de ser. A partir de então, não se ousa mais considerá-la de frente, em sua rigidez escolar - pois se descobriu que ela era por demais turva e ingênua - mas também não se consegue livrar-se dela. Não negamos que temos uma consciência moral, mas temos medo da mistificação. Tendo se tornado imprecisa, vaga, solta no ar, sua idéia não cessa contudo de perseguir, como um fantasma, os nossos debates ideológicos: o "humanitário", a "solidariedade" que estão sempre em nossa boca hoje em dia, com efeito, sobre que repousam?François Jullien, Fundar a moral (Editora Discurso Editorial)