Metamorfose Ambulante - Tanto o blog qto eu!

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5 de mar. de 2012

Álvaro de Campos ODE TRIUNFAL

Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria! 
Em fúria fora e dentro de mim, 
Por todos os meus nervos dissecados fora, 
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto! 
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos, 
De vos ouvir demasiadamente de perto, 
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso 
De expressão de todas as minhas sensações, 



Grandes trópicos humanos de ferro e fogo e força -
Canto, e canto o presente, e também o passado e o futuro, 
Porque o presente é todo o passado e todo o futuro



Rugindo, rangendo, ciciando, estrugindo, ferreando,
Fazendo-me um acesso de carícias ao corpo numa só carícia à alma.



Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto, 
Rasgar-me todo, abrir-me completamente, tornar-me passento 
A todos os perfumes de óleos e calores e carvões 
Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável!

Fraternidade com todas as dinâmicas!
Promíscua fúria de ser parte-agente



A graça feminil e falsa dos pederastas que passam, lentos; 
E toda a gente simplesmente elegante que passeia e se mostra 
E afinal tem alma lá dentro!

(Ah, como eu desejaria ser o souteneur disto tudo!)

A maravilhosa beleza das corrupções políticas, 
Deliciosos escândalos financeiros e diplomáticos, 
Agressões políticas nas ruas, 



Artigos políticos insinceramente sinceros, 
Notícias passez à-la-caisse, grandes crimes - 
Duas colunas deles passando para a segunda página! 
O cheiro fresco a tinta de tipografia!
Os cartazes postos há pouco, molhados! 
Vients-de-paraître amarelos como uma cinta branca! 
Como eu vos amo a todos, a todos, a todos, 
Como eu vos amo de todas as maneiras, 
Com os olhos e com os ouvidos e com o olfacto 
E com o tacto (o que palpar-vos representa para mim!) 
E com a inteligência como uma antena que fazeis vibrar! 
Ah, como todos os meus sentidos têm cio de vós!



Amo-vos a todos, a tudo, como uma fera. 
Amo-vos carnivoramente.
Pervertidamente e enroscando a minha vista 
Em vós, ó coisas grandes, banais, úteis, inúteis, 
Ó coisas todas modernas, 
Ó minhas contemporâneas, forma actual e próxima 
Do sistema imediato do Universo! 
Nova Revelação metálica e dinâmica de Deus!



Ó couraçados, ó pontes, ó docas flutuantes - 
Na minha mente turbulenta e encandescida 
Possuo-vos como a uma mulher bela, 
Completamente vos possuo como a uma mulher bela que não se ama, 
Que se encontra casualmente e se acha interessantíssima.



Eh-lá o interesse por tudo na vida,
Porque tudo é a vida, desde os brilhantes nas montras
Até à noite ponte misteriosa entre os astros
E o mar antigo e solene, lavando as costas
E sendo misericordiosamente o mesmo 



Eu podia morrer triturado por um motor 
Com o sentimento de deliciosa entrega duma mulher possuída. 
Atirem-me para dentro das fornalhas! 
Metam-me debaixo dos comboios! 
Espanquem-me a bordo de navios! 
Masoquismo através de maquinismos! 
Sadismo de não sei quê moderno e eu e barulho!



Ah, olhar é em mim uma perversão sexual!


Roçai-vos por mim até ao espasmo! 


Dai-me gargalhadas em plena cara, 


Ó multidões quotidianas nem alegres nem tristes das ruas, 
Rio multicolor anónimo e onde eu me posso banhar como quereria! 
Ah, que vidas complexas, que coisas lá pelas casas de tudo isto! 
Ah, saber-lhes as vidas a todos, as dificuldades de dinheiro, 
As dissensões domésticas, os deboches que não se suspeitam, 
Os pensamentos que cada um tem a sós consigo no seu quarto 
E os gestos que faz quando ninguém pode ver! 
Não saber tudo isto é ignorar tudo, ó raiva, 
Ó raiva que como uma febre e um cio e uma fome 
Me põe a magro o rosto e me agita às vezes as mãos 
Em crispações absurdas em pleno meio das turbas 
Nas ruas cheias de encontrões!

Ah, e a gente ordinária e suja, que parece sempre a mesma, 
Que emprega palavrões como palavras usuais, 
Cujos filhos roubam às portas das mercearias 
E cujas filhas aos oito anos - e eu acho isto belo e amo-o! -
Masturbam homens de aspecto decente nos vãos de escada.
A gentalha que anda pelos andaimes e que vai para casa 
Por vielas quase irreais de estreiteza e podridão.
Maravilhosamente gente humana que vive como os cães 
Que está abaixo de todos os sistemas morais, 
Para quem nenhuma religião foi feita, 
Nenhuma arte criada, 
Nenhuma política destinada para eles! 
Como eu vos amo a todos, porque sois assim, 
Nem imorais de tão baixos que sois, nem bons nem maus, 
Inatingíveis por todos os progressos, 
Fauna maravilhosa do fundo do mar da vida!

(Na nora do quintal da minha casa
O burro anda à roda, anda à roda,
E o mistério do mundo é do tamanho disto.
Limpa o suor com o braço, trabalhador descontente.
A luz do sol abafa o silêncio das esferas
E havemos todos de morrer,



Tudo isso apaga tudo, salvo o Momento, 
O Momento de tronco nu e quente como um fogueiro, 
O Momento estridentemente ruidoso e mecânico, 
O Momento dinâmico passagem de todas as bacantes 



Eia todo o passado dentro do presente! 
Eia todo o futuro já dentro de nós! eia! 
Eia! eia! eia! 
Frutos de ferro e útil da árvore-fábrica cosmopolita! 
Eia! eia! eia! eia-hô-ô-ô! 
Nem sei que existo para dentro. Giro, rodeio, engenho-me. 
Engatam-me em todos os comboios. 
Içam-me em todos os cais. 
Giro dentro das hélices de todos os navios. 
Eia! eia-hô! eia! 
Eia! sou o calor mecânico e a eletricidade!










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