Metamorfose Ambulante - Tanto o blog qto eu!

Metamorfose Ambulante - Tanto o blog qto eu!
Se vc gostou entre e fique a vontade:

5 de nov. de 2009

Programa de o canto de Gregório

O programa da peça O canto de Gregório é, em suas 32 páginas, um espetáculo à parte. Vendido por um valor simbólico na entrada e na saída das sessões, foi criado por Ricardo Muniz Fernandes a partir de textos de referência propostos pelo diretor e pelo autor da peça.As Notas e fragmentos literários à margem de uma possível encenação de O canto de Gregório traz textos selecionados por Antunes Filho, de autores como Kafka, Camus, Jung e Dostoieviski, entre outros.Veja abaixo algumas das Notas e fragmentos à margem da escritura de O canto de Gregório, que inclui dois textos selecionados por Paulo Santoro e sua apresentação da peça para o espectador.
Caro espectador, não estou aqui para levá-lo a paralisia alguma. Para inspirá-lo tragicamente. Não. A vida é, a seu modo, saborosa. Temos a felicidade de não nos mantermos presos o tempo todo em nosso quarto às vezes frio e assustador, questionando os mitos que regem nossa alma. Sempre podemos nos levantar e sair desse quarto, como talvez fizesse Gregório, um minuto depois do fim da peça. Fingimos dissipar o sofrimento essencial do homem, e somos felizes agindo assim.Mas, no caos deste mundo, a lógica meticulosa não é apenas uma coleção de frases ocas lançadas ao vento. Certamente não será Gregório a única pessoa a necessitar dessa lógica - ainda que a cura possa ser mais devastadora que a doença.Se uma pessoa, afinal, disser a você que "cada um tem a sua verdade", acredite nela: essa frase é a verdade que ela tem.Perdidos que estamos todos nesta biblioteca infinita de Babel, resta-nos saber apenas isto: afirmar é vão. E certo livro escondido num daqueles hexágonos de Borges há de contar esta história, esta deste instante, em que você mesmo, agudo espectador, é flagrado na vaidade de afirmar que é vão afirmar que afirmar é vão.
Paulo Santoro

A criança logo se dá conta de que o choro sentido, qualquer que seja a sua causa, é muito mais eficaz em seus efeitos do que o choro superficialmente fingido. Mas há um momento no choro fingido, isto é, na mímica do sentimento não vivido, a partir do qual as emoções correspondentes ao choro sentido afloram e tomam conta de fato da mente da criança. Nasceu o auto-engano.O enganador auto-enganado, convencido sinceramente de seu próprio engano, é uma máquina de enganar mais habilidosa e competente em sua arte do que o enganador frio e calculista. Qualquer deslize pode ser fatal. Para que sua mente não seja lida e decifrada pelos demais - para que ela não escorregue em lapsos ou se entregue nas entrelinhas, com todas as conseqüências danosas que isso acarretaria - o enganador embarca em suas próprias mentiras, deixa-se levar de modo gradual e crescente por elas e, enfim, passa a acreditar nelas com toda a inocência e boa-fé deste mundo. Ele não desperta dúvidas porque não as tem; duvidar agora, quem há de?Eduardo Giannetti, Auto-engano (Companhia das Letras)
Fundar a moral não é fixar os seus princípios, mas estabelecer sua legitimidade possível. Dizer em nome de que ela se justifica, de uma maneira que não seja como mandamento de Deus ou pela sua utilidade social.Essa questão tomou forma completamente na Europa durante o século XVIII: depois que os filósofos das Luzes libertaram a moral de sua tutela metafísico-religiosa, e antes que os mestres da suspeita, com Nietzsche à sua frente, tivessem empreendido, ao contrário, destruir a sua razão de ser. A partir de então, não se ousa mais considerá-la de frente, em sua rigidez escolar - pois se descobriu que ela era por demais turva e ingênua - mas também não se consegue livrar-se dela. Não negamos que temos uma consciência moral, mas temos medo da mistificação. Tendo se tornado imprecisa, vaga, solta no ar, sua idéia não cessa contudo de perseguir, como um fantasma, os nossos debates ideológicos: o "humanitário", a "solidariedade" que estão sempre em nossa boca hoje em dia, com efeito, sobre que repousam?François Jullien, Fundar a moral (Editora Discurso Editorial)

Nenhum comentário: